Por Jean Pierry Oliveira
![]() |
Santo (Domingos Montagner) e Olívia (Giulia Buscaccio): pai e filha Foto: Inácio Moraes/Gshow |
A saga de um Rio que protagoniza
histórias bonitas, porém também agoniza: seja pela usurpação sofrida por
decisões políticas e ambientais, seja por governantes que praticam o mais
arraigado coronelismo em cidades que o margeiam. É mais ou menos com esse pano
de fundo que “Velho Chico” se propôs a retratar no horário nobre da “Rede Globo”.
Escrita por Bruno Luperi (no
início com auxílio de sua mãe Edmara Barbosa, filho de Benedito), mas com história
e sinopse de Benedito Ruy Barbosa, a novela se despede como uma das mais belas
obras produzidas pela emissora carioca, principalmente, no que tange a sua
estrutura cênica. Com um público e horário acostumado ao “feijão com arroz”, a
perspicácia do diretor Luiz Fernando Carvalho explorou limites nunca antes
ofertados na teledramaturgia e levou a esse mesmo público um produto totalmente
diferenciado. Ainda que a estranheza tenha sido sentida do começo ao fim –
marcados pelos índices de audiência medianos e abaixo do esperado para o padrão
das nove – o risco valeu a pena. Com os rincões do sertão brasileiro
emoldurando a televisão, Carvalho inovou ao provocar no telespectador sensações
nada peculiares no que tange a belíssima fotografia, câmeras/imagens que
focalizavam muito o olhar e toda a expressividade dos atores, figurinos ousados
e também muito criticados por
distanciar-se da realidade do local, um certo realismo fantástico e um “Q” de
cinema, poesia e lirismo em cada capítulo.
![]() |
Rodrigo Santoro(Afrânio) na 1º fase ao lado do diretor Luiz Fernando Carvalho Foto: Cauiá Franco/Globo |
Todos esses elementos fizeram de
“Velho Chico” um grande (e bonito) desafio. Talvez as pessoas não tenham
comprado a ideia por afastar-se muito do tipo de novelas que acostumaram-se a
ver. Mas será que somente aquilo que o grande público quer ver, é o que de fato
deve ser produzido? Indagações à parte, o folhetim contrastou sua beleza com as
trágicas vicissitudes do povo da fictícia Grotas de São Francisco. Ainda que a
sofreguidão possa ter remetido a um dramalhão mexicano essa densidade de “Velho
Chico” fazia link com a obscuridade dos personagens ali encontrados. Ou melhor
dizendo, das situações ali vivenciadas. O forte cunho crítico social pleiteado
na telinha contra os grandes coronéis do interior do país, que mandam e
desmandam na política local e alienam seu povo, o “grito” contra a toxicidade
da agricultura brasileira e seus pesticidas que envenenam o paladar do
brasileiro e diversas outras denuncias sociais foram o mote que pesaram,
literalmente, todo o enredo e se arrastou por toda a novela.
Ainda assim, foi justamente a
partir disso que “Velho Chico” ofereceu ao público o melhor da teledramaturgia.
Com um dos menores elencos dos últimos tempos na TV (foram 30 atores), foi
difícil não ficar atento a diversos talentos desconhecidos que fizeram frente –
e muitas das vezes roubaram a cena – aos grandes e consagrados atores. Prova
disso reside na grata surpresa Lucy Alves (Luzia), Lucas (Lucas Veloso), Mariene
de Castro (Dalva), Renato Góes,(Santo na 1ª fase), Zezita Matos (Piedade) e
tantos outros talentos. Além disso, Velho Chico foi um exercício para tirar da
“zona de conforto” diversos outros atores como Antônio Fagundes (Coronel
Saruê), Marcos Palmeira (Cícero), Christiane Torloni (Iolanda), Marcelo Serrado
(Carlos Alberto), Selma Egrei (Encarnação), Irandhir Santos (Bento) e outros.
Todos estes completamente desconstruídos perante a imagem calcificada aos olhos
de quem está em casa, embalados nas vozes que reuniu de Maria Bethânia, Caetano
Veloso e Alceu Valença até a outros artistas regionais e ainda sem os louros da
fama.
![]() |
Antônio Fagundes se despiu de vaidades com Afrânio em "Velho Chico" Foto: Reprodução/ TV Globo |
Irrepreensíveis mesmo foram
Camila Pitanga (Tereza) e Santo (Domingos Montagner). Com doses extra de
entrega cênica, o casal brilhou e mesmo com a demora para o desenrolar de seu
núcleo, não deixaram o ritmo cair. Pelo contrário. Cresceram paulatinamente as
doses. Numa rara e mórbida coincidência, a vida imitou a arte e eis que o mesmo
São Francisco que levou Santo de volta à vida, tirou de seu intérprete a graça
do palhaço que era (o ator começou sua carreira nos picadeiros). Nunca a dor de
perder um artista/protagonista/galã foi tão sentida como a de Domingos
Montagner, no auge do estrelato. Sua materialidade deu lugar à subjetividade de
um olhar onde o público fez às vezes de seu personagem encarando os demais. Um
abalo que marcou “Velho Chico” tragicamente e que, por essas e outras razões
(bem quistas), despede-se hoje do ar e jamais será esquecida.
![]() |
Camila Pitanga e Domingos Montagner: trágica coincidência da ficção na realidade Foto: Caiuá Franco/TV Globo |
Comentários
Postar um comentário