Crítica: “Rock Story” não esteriotipa personagens negros

Por Jean Pierry Oliveira


Kizi Vaz é Nanda, braço direito de Gordo (Herson Capri) na gravadora
Foto: Raphael Dias/Gshow

Talvez você não tenha reparado ou isso não seja algo levado em conta quando assiste telenovelas. Tão arraigado em nossa cultura e uma das principais marcas de fomento à dramaturgia diária no Brasil, diversas novelas montam seus elencos com os mais diversos tipos de personagens e atores para cada história que deseja contar.

Entretanto, durante muitos anos – e ainda hoje – atores negros sempre foram destacados para interpretarem ou comporem núcleos esteriotipados: porteiros, empregadas, motoristas, seguranças, escravos entre outros. Num país miscigenado onde a junção de pretos + pardos (conforme a classificação do IBGE) totaliza a população negra (maioria, portanto) é de se espantar que esses elementos se repitam a cada folhetim. E passem sem maior criticidade, especialmente e principalmente, aos olhos do público. Não porque seja impossível enxergarem. Mas porque acostumaram-se a assistir, compreender e reproduzir desta maneira o lugar do negro na teledramaturgia. Mas se por um lado existe a “regra”, por outro também há a exceção. Um bom exemplo disso é a novela “Rock Story”.

Rocco Pitanga dá vida ao advogado Daniel em Rock Story: amigo dos protagonistas
Foto: TV Globo

O sucesso das 19 horas da Rede Globo, escrito pela novata e competente Maria Helena Nascimento, comunga de personagens com bastante ambigüidades, humanizados (para além da dualidade excessivamente marcada de “bonzinhos para cá” e “mauzinhos para lá”) e atores/personagens negros em papéis nem tão usualmente visualizados em determinadas funções. Daniel (Rocco Pitanga) mostra-se um bom amigo e advogado para Gui (Vladimir Brichta) e Júlia (Natália Dill) nas enrascadas da protagonista. Você se lembra do último advogado negro em uma novela? E se lembra, era das sete? Bem, ainda temos o jovem da banda de pop rock 4.4 JP (Maicon Rodrigues), que faz sucesso com as adolescentes, e também vem a ser sobrinho do maître Luizão (Thiago Justino), braço direito de Haroldo (Paulo Betti) na churrascaria Boi Amigo.

Outro destaque é a competente e enciumada secretária de Gordo (Herson Capri), Nanda (Kizi Vaz), que nutre um amor platônico pelo chefe, mas também dedica-se inteiramente pelo bom andamento da gravadora Som Discos. Detalhe para o penteado afro e roxo da jovem, marcando claramente sua personalidade e representatividade (para com os/as telespectadores negros/negras). Agora com a descoberta de Haroldo e Gilda (Suzy Rêgo) da leucemia de Nicolau (Danilo Ferreira), será Jaílson (Enzo Romani) quem ganhará mais destaque ao ocupar o lugar do jovem baixista na banda teen, mostrando uma interessante curva em sua trajetória que começou desacreditada e fadada a uma vida errada e vem se recolocando, aos poucos. Ainda tem Edith (Viviane Araújo), dona de casa dedicada aos filhos e ao marido, sem ser submissa e sem a necessidade de sua personagem explorar os dotes físicos de sua intérprete. Entretanto, a figura mais ímpar dos papéis negros de Rock Story cabe ao personagem Roberto (Rodrigo dos Santos). A simbologia do médico que cuida do câncer de Nicolau (Danilo Mesquita) por si só joga luz sob um tema que leva a seguinte reflexão: quantos médicos negros você já viu em novelas? Mera ficção ou extensão da realidade?

Viviane Araújo é a dona de casa Edith em Rock Story
Foto: Divulgação

Roberto (Rodrigo Santos) é médico em Rock Story
Foto: Divulgação/ TV Globo

Certamente pode ser que haja outros personagens negros na novela não contemplados aqui – os citados acima são muito mais para simbolizar do que para quantificar – entretanto, fica evidente que estender olhares para além daquilo “que nossos olhos vêem”, isto é, permitir a construção e representatividade para outros espaços e possibilidades é extremamente importante, especialmente quando notabilizados através de telenovelas que chegam à pelo menos 40 milhões de pessoas (se pensarmos numa novela das nove, por exemplo). Seja como for, Rock Story organiza-se e exibe uma bela história, com conteúdo e enredo plausíveis até aqui e se distanciando do “feijão com arroz”, nem sempre tão bem digerido assim. 

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